Sentidos do Amor


Certa vez disse Charles Chaplin: "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore; dance; ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos".

Nosso medo de perder o autocontrole ou a capacidade de vivenciar a independência de nossos atos transita pelo vale de uma descortinada expectativa pelo o que está por vir. Seremos capazes de suportar?Vivenciamos tudo?Não há nada mais a se fazer?Dentre estas pontuadas questões está a premissa do drama Sentidos do Amor (Perfect Sense). Dirigido pelo escocês David Mackenzie, no filme acompanhamos a rotina de dois personagens. O primeiro deles é Susan (a bela Eva Green), uma epidemiologista desiludida afetivamente após ser abandonada pelo amante, e que se entrega ainda mais a seu melancólico mundo — que a oferece liberdade, mas que ironicamente a aprisiona em seus pensamentos. Pra completar, um novo vírus parece se alastrar de nação a nação, afetando de modo geral o sentido olfativo dos contaminados. Bem próximo ao apartamento de Susan trabalha o chef de cozinha Michael (Ewan McGregor, em bom desempenho) — que tem a profissão também como distração, além de manter uma vida boêmia para ajudar passar o tempo. Como não era nada difícil de prever, o destino faz com que os dois se cruzem e se envolvam tão intensamente quanto a epidemia vai se espalhando. Depois da capacidade de sentir cheiro, o paladar é o próximo sentido privado aos que adquiriram a doença - que de igual modo faz com que apresentem desordens psicossomáticas. Somados ao extenso número dos afetados , Michael e Susan tentam — a mercê das impossibilidades, manter o relacionamento, mesmo sabendo que manifestações mais críticas ainda estarão por vir.


Com um enfoque bem diferente do abordado em Contágio de Steven Soderbergh, produção lançada em 2011, que auto-explicativa expôs como ficcional epidemia pode apresentar crônico caráter nômade, no longa de Mackenzie, roteirizado por Kim Fupz Aakeson — o ponto chave se concentra na conexão ação/reação. A prioridade é investigar o comportamento dos personagens neste obscuro universo onde seus cinco sentidos são retirados em etapas por um inimigo sem face, cujo remetente varia de fundamentalistas islâmicos ao enloquente sistema capitalista, dentre as n teorias conspiratórias. Se em Melancolia de Lars Von Trier a proximidade do apocalipse terreste gera transformações inversas nas irmãs Claire e Justine, que se centralizam naquele evento, vivendo em função da falta de projeção produzida por ele, aqui a sobrevivência não é exatamente física, mas contemplativa, e movimenta cada ato em direção a naturalidade. É como um poema de amor sobre uma vida repleta de mazelas, de imperfeições, que estrangula nossos desejos — mas que desejamos ferozmente, em detrimento às peças que ela nos prega.

Trabalhando em um restaurante no subúrbio, Michael além de ter que aprender a lidar com a limitação de sentir os aromas de seus pratos, procura se adaptar às novas exigências de seus clientes, também privados do olfato — mas nesta altura ainda guiados pelo paladar. Susan por sua vez está perseverante na busca pela cura (mesmo que no filme isso não tenha tanto destaque), e resignada por ter aproveitado e desfrutado tão pouco desta nova relação. O interessante no filme de David Mackenzie é o modo como o cineasta vai acompanhando as transições concomitantes ao desenvolvimento dos protagonistas, conforme eles vão sendo limitados de suas capacidades inerentes. Como casal, Michael e Susan se entregam um ao outro, puxados pela forte atração que sentem e são impulsionados pelo cataclisma que se aproxima a desfrutarem da relação que criaram e se desnudarem emocionalmente. Se o olfato se vai, os outros sentidos se tornam mais aguçados — se o próximo é a audição, desenvolve-se nova forma para se estabelecer comunicação para garantir a subsistência. O texto de Aakeson eficientemente se divide em três estágios: um fato consumado, a sobrevivência perante a este fato e por fim uma celebração genuína à vida. Neste último ponto Sentidos do Amor assemelha-se, guardadas as proporções, com a perspectiva entusiástica de A Árvore da Vida de Terrence Malick, reforçado pela bela trilha composta pelo alemão Max Richter.

Correndo o risco de parecer exagerado, sem maiores ressalvas classifico Sentidos do Amor como um dos romances mais originais lançados recentemente. Uma prazeiroza golfada de ar fresco, contendo forte apelo dramático, onde as verdadeiras emoções não são nada fugazes.

2 Response to "Sentidos do Amor"

  1. Kamila says:

    Parece ser interessante. E, olha, fazia tempo que eu não ouvia falar no nome da Eva Green... rsrsrsrs

    Muito bom seu blogger. Educativo e cultural. Este filme, Sentidos do Amor, não conhecia. Irei colocar em minha lista: "Preciso vê-lo". Acabei de ler o post "Reecontrando a Felicidade". Parabéns pela linguagem. Seguindo...

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