O Artista


Visionários desbravadores, Auguste e Louis Lumière talvez não tivessem em mente que após aquele evento no subterrâneo do Grand Café em Paris, quando foram exibidos os primeiros filmes/testes após a criação do cinematógrafo pelas mãos dos irmãos franceses, a arte cinematográfica fosse maturando a ponto de se tornar uma máquina de se fazer dinheiro, e que de tempos em tempos oferecesse um novo menu de recursos para o espectador. Tal qual a tecnologia 3D ou mesmo o uso do Motion Capture atualmente (respeitadas as proporções), a sonorização na Sétima Arte provocou um impacto atrativo tão grande que acabou colocando um ponto final na era do Cinema Mudo e consequentemente levou ao declínio as carreiras de vários profissionais que não conseguiram se adaptar aos novos tempos. Neste cenário desolador é onde se encontra o astro George Valentin (Jean Dujardin), protagonista do longa O Artista, dirigido pelo francês Michel Hazanavicius.

Na década de 20, época em que o cinema americano tinha Charles Chaplin e Buster Keaton como principais astros da comédia sem som, George Valentin era respeitado pelos homens e amado pelas mulheres por encabeçar produções que eram um misto de romance, comédia e aventura. Todos queriam trabalhar com ele e a imprensa disputava a tapas uma entrevista sua. Ao comparecer a estreia de seu último filme, acidentalmente acaba conhecendo uma fã, Peppy Miller (Bérénice Bejo), que posando para fotos com o ator ganha seus 15 minutos de fama nas manchetes dos jornais (naquela época já existia a cultura das subcelebridades, mesmo que no caso o "querer aparecer" não tenha sido a real intenção de Peppy). Pouco mais tarde, a garota se inscreve para uma seleção que procura por jovens dançarinas para um novo filme, e com a ajuda de Valentin ganha sua primeira oportunidade. De degrau a degrau a pretensa atriz vai se projetando (bastante engenhoso como Hazanavicius pontua o crescimento da carreira da personagem através dos créditos dos filmes em que participa, de pontas à posição de co-estrela). Anos depois, o poderoso executivo Al Zimmer (John Goodman) anuncia o fim da produção de filmes mudos por sua produtora. Indiferente para com isso, achando que a sonorização era uma moda passageira, o galã de Hollywood se desliga da Kinograph, a empresa de Zimmer, para produzir e estrelar seu próprio filme, que ,coincidência do destino, tem estreia marcada para o mesmo dia do lançamento do longa que credencia sua pupila como a protagonista, e que a transforma em musa do cinema sonorizado. Com a iminente decadência, reforçada pela separação da mulher (Penelope An Miller), ele enfrenta o fracasso profissional e uma culminante depressão, tendo a companhia apenas do fiel motorista Clifton (James Cromwell) e do cão Jack.


Mais conhecido em sua terra natal, Michel Hazanavicius antes só havia comandado produções modestas, sempre vinculadas ao humor. Sua experiência no gênero contribuiu para que O Artista resultasse em um projeto ambicioso, divertido e com um Q de inventividade. Há mais de oitenta anos desde a sua completa extinção, o Cinema Mudo tinha seu charme garantido pela irreverência de seus astros e estrelas que se seguravam nas expressões e movimentos e que com o auxílio instrumental ao vivo (por meio de um piano ou uma orquestra completa), ajudavam os espectadores a emergirem na trama contada na tela, guiada a plateia também pelo auxílio das legendas. Com tantos recursos de fácil acesso e com as possibilidades que temos hoje, a expectativa por um filme sem áudio e preto e branco (historicamente as cores só chegariam em 1935) não era das melhores até os mais otimistas enxergavam com certas ressalvas para o longa francês, produzido em estúdios americanos, acreditando que tudo se passava de um truque para seduzir o público, por sua distinção para com tudo o que foi feito nos últimos anos. Na contramão, todos os prognósticos foram frustrados e a opinião de muitos críticos mudou após conferirem o filme. Com vários trunfos O Artista é de longe uma das melhores produções do ano.

Apesar das limitações, algo que os personagens da era muda conseguiam singularmente estabelecer era o perfeito entrosamento com o espectador, algumas vezes apostando num tom irônico e satírico, outras no meramente pueril. De certo que ao depararmos com uma placa na coxia de um palco pedindo silêncio aos presentes para que nenhum barulho atrapalhe uma encenação, é impossível evitar o riso mesmo com algo tão sutil. A propósito, a direção de arte de Laurence Bennett e Robert Gould é de inigualável primor. Da majestosa mansão de Valentin, numa amostra do quanto eram abastados os atores da época ao escuro casebre para onde se muda quando decreta falência salientando seu estado de espírito e a suntuosidade dos estúdios, de detalhe a detalhe a plateia é transportada para o celebre mundo de um artista do passado. Se Scorsese adotou um tom mais lúdico em A Invenção de Hugo Cabret, outro longa atual que investe no processo metalinguistico, Michel Hanazivicius por sua vez aposta nos efeitos de imagem, deixando claro qual mensagem quer passar em tal ou qual momento, com diálogos diretos ou metaforicamente. Assim sendo , quando o personagem de Dujardin esta filmando uma cena onde é tragado pela areia movediça, apropriadamente se faz uma alusão à situação cadente da carreira do protagonista.

Com versatilidade, Jean Dujardin constrói George Valentin com a arrogância e o tipo meio canastra presentes em diversos astros com pinta de galã daquele tempo. Atormentado pelos fantasmas da modernidade, a qual ele se recusa a aceitar, a fase de opressão do personagem revela que tanto na comédia quanto para o drama o ator é capaz de segurar como protagonista. Sua química com Bérénice Bejo é espetacular. Em tempo, a atriz argentina faz um ótimo contraponto com Dujardin, ilustrado pela decadência dele e a ascensão dela. Peppy Miller é ingênua e impetuosa, mas nem por isso unidimensional. A heroína do filme de Hazanavicius é a figura mais ativa do longa, a força que movimenta a trama. Já John Goodman faz uma espécie de Harvey Weinsten (o famigerado produtor de Hollywood) do passado, com seu tipo bonachão e sisudo.

Atingido por uma perigosa pretensão ao chegar a Hollywood, O Artista mesmo assim conquista o espectador pelo carisma da história e por seus personagens.Vendido como uma bela homenagem a uma época importante da Sétima Arte, onde se emocionava, divertia e espantava sem nenhuma palavra audível, mas era um bom entretenimento.

1 Response to "O Artista"

  1. Kamila says:

    Ainda não assisti a esse filme, mas as expectativas são altíssimas. Espero me emocionar e ficar encantada. "O Artista" parece ser uma grande homenagem ao cinema.

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