Caminho da Liberdade


O último trabalho no cinema do cineasta australiano Peter Weir foi Mestre dos Mares, com Russel Crowe, em 2003. Desde lá - seguindo a linha de seu colega Terrence Malick (que depois de anos sem filmar só voltou em 2010 com A Árvore da Vida), Weir esteve envolvido em vários projetos, mas que por motivos variados não se concretizaram. Este hiato na carreira do responsável pelo genial O Show de Truman se encerrou com Caminho da liberdade (The Way Back) - longa que pode figurar tranquilamente entre os melhores lançados em 2010.

Em 1939, no estouro da 2ª Guerra Mundial, Hitler e Stalin invadem a Polônia, pelo leste e oeste do país, e partilham a nação entre eles. Como resultado, milhares de civis são presos, sob suspeita de espionagem e/ou por outras infrações consideradas criminosas por irem à contramão aos interesses políticos que estavam em voga naquele período.

Um gulag (espécie de campo de concentração) na Sibéria acaba sendo o destino de ladrões, assassinos e presos políticos, que ali sofrem as maiores agruras que um ser humano pode enfrentar. Com alimentação restrita e condições climáticas críticas (variantes entre o polar e o continental), centenas de homens são submetidos a trabalho escravo, como pena pelos crimes cometidos contra o regime imposto. Do grupo fazem parte: polacos, russos, americanos e poloneses de diversas faixas etárias e com distintas histórias de vida. Janusz Wieszczek (Jim Sturgess) é um jovem polonês, condenado a 20 anos de detenção sob acusação de espionagem. Interrogado por um general soviético - acaba indo para o gulag depois que a esposa - sob tortura - se volta contra ele. O russo Valka (Colin Farrell) é visto por muitos como o mais letal, com o qual ninguém deve se meter. Mr. Smith (Ed Harris), considerado o ancião do grupo, trabalhava como engenheiro do Metrô nos EUA. O iugoslavo Zoran (Dragoş Bucur) é o piadista e Voss (Gustaf Skarsgård, filho de Stellan) é um sacerdote nascido na Letônia. Impulsionado por outro prisioneiro, Janusz arquiteta um plano de fuga com alguns comparsas com destino a região sul da Mongólia - e assume a condição de líder do grupo. Após escaparem, a fome e a distância tornam-se as principais armadilhas contra os personagens, que ainda no decorrer conhecerão Irena (Saorsie Ronan), uma órfã polonesa foragida da fazenda onde estava refugiada. Pra completar, o comunismo recentemente imperante em terreno mongol, transfere o ponto de destino de Janusz e seus companheiros, que partem então para a Índia.



Projetado com certo ar de jornada épica, o roteiro – escrito pela dupla Peter Weir e Keith Clarke e baseado nas lembranças do tenente polonês Sławomir Rawicz, que foi preso durante a invasão soviética à Polônia e mandando para um gulag na Sibéria, tendo conseguido fugir – chegando à Índia após atravessar o deserto de Goby, o Tibete e os Himalaias – é orquestrado com maestria pelos realizadores. A começar pelo desenvolvimento de cada um dos personagens, que apontam traços distintos e singulares, tornando o grupo de fugitivos bastante harmônico. A irreverência de um, somada a destreza do outro e a experiência do seguinte – permite ao espectador acompanhar não aquela figura do herói monocórdico ou unidimensional - tão manjada em certos filmes com toques de aventura, mas segue-se aquele seleto bando, com seus medos e fraquezas. O Janusz de Sturgess, por exemplo, que caminha pelos trilhos da boa moral e ética – constantemente lembrado pelo Mr. Smith de Harris de que isso pode matá-lo, é também capaz de pensar individualmente ao optar por escapar do campo de prisioneiros levando os companheiros, mesmo sabendo que isso pode custar a vida deles.

Contando com um elenco com poucos astros - apenas Harris, Farrell e Ronan, Peter Weir conseguiu extrair grandes performances de seus intérpretes, confirmando-se novamente como um grande diretor de atores. Vale destacar o belo trabalho de Jim Sturgess que aqui se revela uma grande promessa. Assumindo para si a responsabilidade de ser o cabeça do grupo, preocupado em camuflar seus momentos de fragilidade, seu Janusz transmite credibilidade, fugindo do estereótipo de salvador da pátria. Em tempo, Ed Harris está ótimo como uma figura ameaçadora que aos poucos vai se desmontando e assumindo-se paternal.

Também digna de aplausos a fotografia de Russel Boyd. Se em Mestre dos Mares o mar não é o limite, em Caminho da Liberdade é a paisagem gelada da Sibéria , o deserto de Gobi e as regiões verdes da Índia que enchem os olhos.

Ignorado pelas premiações, que preferem muitas vezes celebrar determinadas obras de gosto duvidoso apenas pela força de suas campanhas, preterindo as boas produções de verdade, Caminho da Liberdade é fruto do trabalho de um grande realizador, infelizmente subestimado – mas que sabe contar uma boa história como poucos.

Que Peter Weir não demore tanto pra voltar!

3 Response to "Caminho da Liberdade"

  1. Kamila says:

    Esse filme foi muito bem resenhado na época de seu lançamento. Seu texto só fez voltar a vontade que eu tinha de assistir a este filme.

    Não vi esse filme ainda, parece ser bom! Gostei da dica.
    Estou seguindo o seu blog :D
    http://leituradaestante.blogspot.com/

    Hugo says:

    É um belo filme, como praticamente todas as obras do australiano Peter Weir, tendo uma bela fotografia e o roteiro baseado na superação dos personagem, além do bom elenco, com destaque para Jim Sturgess que ainda não conseguiu a fama merecida.

    Infelizmente o filme passou voando pelos cinemas, mas merece ser descoberto em DVD.

    Abraço

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