Graça e Perdão


"Enquanto dormimos/a dor que não se dissipa/cai gota a gota sobre o nosso coração/até que, em meio ao nosso desespero/e contra nossa vontade/apenas pela graça divina/vem a sabedoria".

Tal citação do dramaturgo grego Ésquilo, apelidado de o pai da tragédia, está envolta de um sentimento tão controverso e ao mesmo irracional que contrasta com a política do olho por olho (intensificada na década atual e celebrada por uma geração que, por exemplo, considera o abate de um antigo inimigo talibã como prazerosa), mas que encontra abrigo nas esferas religiosas, sendo a propósito a prática do perdão um dos sólidos princípios do Cristianismo.

Baseado num fato verídico ocorrido em 2006, o telefilme Graça e Perdão (Amish Grace), dirigido por Dylan Scharping - narra o drama vivido por famílias formadas por amishes nos EUA atual, que enfrentam a dor causada pelo brutal assassinato de suas filhas, quando estas - na escola - foram surpreendidas por um atirador (algo infelizmente tão em voga nos noticiários, e que não tem como não trazer a memória o triste episódio ocorrido em Realengo este ano) que fez cinco vítimas.

Marido fiel, pai presente e um simples trabalhador, Charles Roberts (John Churchill) é tido como um sujeito acima de qualquer suspeita - prestando serviços como entregador de leite em Nickel Mines na Pensilvânia - sempre bem recebido pelos amishes que moram naquela região. Dentre eles faz parte a família Graber, formada pelo pai Gideon (Matt Letscher), a mãe Ida (Kimberly Williams-Paisle) e as duas filhas - Katie (Karley Scott Collins) e a mais velha Mary Beth Graber (Madison Davenport) - esta última nutrindo o sonho de ser professora. Roberts - escondendo suas intenções de sua esposa (Tammy Blanchard), arquiteta um plano premeditado, que ao longo da projeção mantem-se sem explicação - uma vez que - levando quase dez dias de planejamento - elimina qualquer suspeita de surto causado por fatores psicossomáticos. Depois de executar apenas as meninas, entre elas a primogênita dos Grabers – o matador tira sua própria vida.


Destruídos pela tragédia e perseguidos pela imprensa (representada aqui pela jornalista Jill Green - interpretada pela atriz britânica Fay Masterson) - os amishes - poucos dias após o triste evento, visitam a viúva do responsável pelo crime para fazer algo que não se passa pela cabeça nem do mais pueril ser humano - dizer que perdoam o algoz do massacre e que estarão orando por ela e por seus filhos. Este gesto incompreensível chama a atenção da mídia, que enxergam com desconfiança para tal comportamento.

Adaptado do livro Amish Grace: How Forgiveness Transcended Tragedy de Jossey-Bass - Graça e Perdão se diferencia bastante de outras obras com o selo cristão, a começar pela concessão que se faz ao imprimir com naturalidade os efeitos que uma tragédia de impacto causam aos direta ou indiretamente envolvidos nela. O desconhecido cineasta Dylan Scharping faz o convencional em tramas inspiradas em eventos reais, abrindo a história a partir de um determinado ponto, fazendo um retrospecto do que aconteceu seis meses antes. Logicamente optando pelo ocorrido após o evento - utilizando-se de sutileza para demonstrá-lo, afinal os americanos são inerentemente sensíveis, Scharping lançou mão de uma série de reações adversas dos protagonistas.



Se de um lado Gideon Graber lida com a perda da filha com assustadora serenidade - bem o oposto - por exemplo, da composição de Joaquim Phoenix em Traídos pelo Destino de Terry George - a mulher Ida vai se desconstruindo emocionalmente - questionando os valores de sua fé e escolha doutrinária - que ironicamente - segundo ela - condena sua irmã por ter abandonado o estilo de vida dos Grabers para se casar com um estrangeiro - sendo considerada desviada - mas que em contrapartida libera alguém do peso da culpa, mesmo que este não tenha demonstrado arrependimento, enquanto Amy - a viúva de Charles - partilha da mesma indignação e consternação da matriarca dos Grabers, bem como parcialmente transfere pra si um pouco da culpa pelo ocorrido. Neste aspecto as roteiristas Sylvie White e Teena Booth foram precisas ao conduzir a história sem forçados ditames ou julgamentos maniqueístas - permitindo que o espectador assim tire suas próprias conclusões.

Kimberly Williams-Paisley (mais conhecida por sua participação na sitcom Jim é Assim) exala sensibilidade ao retratar o comportamento de uma mulher amish, submissa ao marido - mas que não se contem ao manifestar seus sentimentos e opiniões num momento de profunda catarse, já Matt Letscher emociona ao construir Gideon como um homem pacífico, que obrigado por sua posição de chefe da família, reprime suas emoções ao máximo, auxiliado por sua aparentemente indestrutível fé. Impossível também não destacar o ótimo trabalho de Tammy Blanchard, interpretando a esposa que carrega a vergonha e os abalos dos feitos do cônjuge.

Produzido não para defender abertamente uma ideia, mas para dar abertura para reflexão, Graça e Perdão toca neste que é talvez um dos maiores desafios que muitas vezes se coloca diante da humanidade, distinguir o que é perdão e o que é esquecimento. Como disse certa vez o escritor Thomas Chapman: “O perdão genuíno consegue promover a remoção de barreiras causadas por uma ofensa, não importando qual seja ela”. Neste sentido, conceder o perdão é o mesmo que conseguir conviver com uma realidade onde há perdas causadas por alguma das partes, porém através de outro enfoque.



5 Response to "Graça e Perdão"

  1. Kamila says:

    Flavio, esse é um telefilme, né?? Acho que a Kimberly Williams-Paisley até recebeu uma indicação ao Emmy, se não me engano... Tenho curiosidade para ver, especialmente porque a cultura amish é uma coisa tão distante da gente que é bom até mesmo para conhecermos do que ela se trata.

    Faço da Kamila as minhas palavras, Flavio. Confesso que não conhecia a cultura amish até quinta-feira passada. A minha colega de trabalho me falou que estava assistindo esse filme e eu não conhecia, perguntei sobre o que era e ela me deu uma aula e eu fiquei bem curioso para conhecer mais as práticas dessa religião. Vou procurar pelo filme.

    Bacana ter dado espaço a ele aqui =)

    abs!

    Obrigado pela visita no meu blog e pelos elogios... Estou começando e ficaria feliz com suas críticas e sugestões!!
    Sucesso no TopBlog 2011!!
    http://penseoamanha.blogspot.com/

    Parabêns pelo blog parceiro

    www.nandokon.blogspot.com

    J. BRUNO says:

    Fiquei curioso para assistir, a Graça nem sempre é praticada ou compreendida pela maioria dos cristãos, mas ela é a base de todo o Cristianismo... ´difícil de compreender por ser absurda e até injusta, mas é simplesmente algo maravilhoso quando praticado e compreendido... Assisti, e resenhei, o filme A Árvore da Vida, que fala mais ou menos sobre o mesmo assunto, confira depois minha postagem sobre ele: http://sublimeirrealidade.blogspot.com/2011/11/arvore-da-vida.html

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